Um corpo, um médico.
O médico tenta de todas as formas, mas não adianta, o paciente havia morrido. Ele parou por um momento frustrado, se sentou do lado da maca, e deixou os segundos passarem. O único som que se ouvia na sala era o barulho da máquina que monitorava os batimentos cardíacos, que só confirmava, novamente, a morte do paciente.
Um corpo, um médico, e dois espíritos conversando.
Tudo havia parado no tempo, apenas os dois espíritos conversavam.
- Eu morri ? Perguntou o recém falecido.
- Sim. Respondeu o anjo.
- Porque eu ? Perguntou o recém falecido, ainda confuso com tudo que estava acontecendo.
- Você mesmo se matou, se deixou consumir por todo ódio, inveja e rancor das pessoas ao seu redor. Você perdeu a crença na humanidade, botou na cabeça a idéia de que todas as pessoas eram iguais, você apenas falava mal de tudo e todos, criticava, criticava, criticava, questionava que o mundo não podia mudar, mas você não fazia nada para mudar ele, e também não se permitia mudar, se tornar parte do “todo” que vivia ao seu redor. Você não morreu por obra do destino, você morreu porque você quis.
- Eu não me arrependo de nada. Disse o homem friamente.
- Eu sei disso, mas lembre-se, ainda é tempo de você se permitir mudar.
Um quarto, um relógio despertando.
Tudo não havia passado de um sonho extremamente real. Eram sete da manha de uma segunda feira de outono. Ele se sentou na cama, e pensou em tudo que havia escuta, se levantou, tomou banho, um rápido café da manhã, e foi trabalhar. Seu emprego ficava a três quadras do seu apartamento, por isso ele ia a pé. No caminho, ele foi pensando em tudo que já havia vivido.
Sua infância não tinha sido a mais privilegiada, estudava em uma escola particular por causa da bolsa de estudo que havia ganhado, tinha poucos amigos, mas mesmo assim, era feliz em sua vida. Teve o sonho de ser músico, de ser fotógrafo, mas acabou fazendo letras na faculdade, e se tornando um escritor com um sucesso moderado, havia ganhado alguns pequenos prêmios. Seus textos foram publicados em algumas revistas, jornais e sites, tinha dado algumas entrevistas a TV, mas nada sério de mais.
Ao chegar ao prédio do seu trabalho, uma revista onde trabalhava como editor chefe, ele viu do outro lado da rua, um morador de rua largado no chão, e as pessoas que passavam por ele, e não o notavam, ou pelo menos fingiam que não o notavam, como se ele fosse alguém que não merecia a atenção delas. Não, o mundo não havia mudado.
Um ano depois.
Um quarto de hotel que ele havia visitado na infância, um notebook em cima da mesa, uma música tocando, uma lata de coca cola em cima do criado mudo junto com um pouco de veneno, um corpo na cama, uma pulseira no braço do morto, e uma carta de adeus.
Ele havia se matado, não agüentou tanta indiferença no mundo. Na parede do quarto havia pichado: ”O mundo até pode ser capaz de mudar, mas eu não me permito mudar.” No seu notebook, tocava no modo de repetição “Coldplay – The Scientist”, em sua carta, seu ultimo texto.
Comodismo.
Eu tenho escrito menos, vivido menos, pensado menos. Eu me acostumei mais com as coisas. As brigas não me tocam mais, a ausência da diversão não me faz mais falta, tudo se tornou tão comum, tão normal pra mim, na mais me completa, nada mais me exita, eu não sinto aquele “frio na barriga” pela vontade de descobrir o novo. Eu só quero começar a viver, só isso. Faz tempo que eu estou assim, eu busco, corro, tento, mas as palavras fogem de mim como o diabo foge da cruz, a inspiração some, a descrença aumenta. O amor? Não acredito mais. O planeta? Meus textos não vão mudar a consciência das pessoas. Sociedade? Atos não me surpreendem mais. Eu tenho dó da pessoa que fizer a minha autópsia quando eu morrer, ele vai ser o mais próximo de um amigo verdadeiro que eu já tive na vida, ele vai me conhecer por dentro, e vai ver o quanto eu sou frio e vazio por dentro.
Ao ser examinado pelo legista, ele encontrou os seguintes dizeres na pulseira: ”Muito Prazer, eu sou o B.”
FIM.
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